Aula de Preconceito

/
0 Comments
Pesquisa Revela: a discriminação tomou conta das escolas brasileiras. Negros e pobres são as principais vítimas de alunos e professores.

"Quando soube, minha reação foi acalmar meu filho e tranquilizar o pai, que estava revoltado. Depois, veio um sentimento meio instintivo, que é preciso evitar, porque, se você deixar aflorar, é capaz de causar uma tragédia ainda maior", pondera a jornalista Patrícia*, mãe do João*, um jovem de 15 anos que é deficiente intelectual. O menino, aluno da sétima série de um colégio público da zona oeste de São Paulo, é vítima de bullying - hábito de humilhar ou agredir outras pessoas, principalmente pelo fato de elas serem "diferentes" em algum aspecto.
Na verdade, é possível chamar de tortura o que alguns colegas de João fazem com ele: além de ameaças, desferem socos e pontapés, o asfixiam, passam maquiagem no rosto e pintam as unhas dele. Provavelmente por medo, João - que teve anoxia neonatal (falta de oxigenação no parto) - jamais os delatou aos pais.
Casos como o de João são muito mais comuns nas instituições de ensino do Brasil do que se pode imaginar. A Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) realizou um amplo estudo sobre preconceito nas escolas públicas de todo o País.
E constatou: quase 100% dos entrevistados (99,3% de alunos, professores, pais e funcionários) têm algum tipo de preconceito. O estudo mostra ainda que a maioria dos educadores da rede pública não sabe como lidar com as vítimas de bullying dentro das escolas.
"Pelos altos percentuais, a gente conclui que o ambiente escolar tem um componente preconceituoso bastante generalizado entre os pesquisadores. No geral, a maior parte das pessoas tem três, quatro ou cinco tipos de preconceito", diz José Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e coordenador da pesquisa.
Segundo o estudo, pelo menos 10% dos alunos já viram ou viveram situações em que colegas, professores ou funcionários foram humilhados ou agredidos. De acordo com eles, a maior parte dessas atitudes é motivada pelo fato de a vítima ser negra. A segunda razão mais comum é a condição social.
Com o apoio da família, há alguma chance de João ficar mais protegido dos abusos que vinha sofrendo. A prática de bullying, entretanto, está longe de desaparecer. Os coordenadores do estudo analisam que é necessário fazer um trabalho mais abrangente com a comunidade escolar, especialmente com as famílias dos estudantes. "A pesquisa mostra que o preconceito não é isolado. A sociedade é preconceituosa. Logo, a escola também será. Esses preconceitos são tão amplos e profundos que são praticamente características da nossa cultura", diz Mazzon. Na matéria "Cidadania", a nota é zero para o Brasil.

____

* Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.
____

DISCRIMINAÇÃO NA ESCOLA

Parcela de entrevistados que já soube de aluno que sofreu bullying por ser...
Negro: 19%
Pobre: 18,2%
Homossexual: 17,4%
Mulher: 10,9%
Morador da Periferia: 10,4%

____

COMPORTAMENTO EQUIVOCADO

Percentual de alunos, professores, funcionários e pais que afirmam ter algum tipo de preconceito
Geográfico: 75,9%
Orientação sexual: 87,3%
Socioeconômico: 87,5%
Idade: 91%
Gênero: 93,5%
Étinico-racial: 94,2%
Necessidades especiais: 96,5%
Geral: 99,3%

Fonte: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, estudo com alunos, pais, professores e funcionários de escolas públicas do Brasil


Fonte da entrevista: Folha Universal, nº 300. De 5 a 11 de julho de 2009.


You may also like

Nenhum comentário: